01 Fev, 2023

Neurociência Cognitiva e Neurociência Comportamental são a mesma coisa?

Esse ensaio aborda a questão se há ou deveria haver uma divisão clara entre neurociência comportamental e neurociência cognitiva.
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Neurociência Cognitiva e Neurociência Comportamental  são a mesma coisa?

O que a literatura nos diz

A década de 1990, quando o governo americano elegeu a neurociência como área de destaque, foi denominada como a “Década do Cérebro” e já se considera o século 21 como o “Século do Cérebro”. O fato é que a partir dos anos 90, iniciou-se uma era de grandes conquistas para a humanidade, por meio de estudos relacionados à compreensão das funções neurais humanas. Desde então, muito avanços ocorreram em relação ao diagnóstico, prevenção e tratamento de doenças neurológicas e mentais como o Alzheimer, o Parkinson e a depressão. No entanto, a neurociência, área que estuda o sistema nervoso e suas funcionalidades, tem se popularizado nas últimas décadas através da investigação do comportamento, das emoções e da cognição humana (Ventura, 2010).

Na visão de autores como Thompson (2001), a neurociência comportamental e a neurociência cognitiva são dois lados da mesma moeda. Ambas se ocupam da compreensão das bases neurais e biológicas do comportamento, e este, por sua vez, envolve processos psicológicos. Embora a distinção entre processos “comportamentais” e “cognitivos” seja bastante arbitrária, operacionalmente a neurociência comportamental se voltaria ao estudo biológico de fenômenos como sensação e percepção, motivação, aprendizado e memória, que ocorrem de forma semelhante em humanos e animais. Por sua vez, a neurociência cognitiva estaria relacionada com os fenômenos mais complexos da mente, como processos mais elaborados de tomada de decisão, e se dedicaria mais especificamente a estudos de neuroimagem com humanos. Na prática, no entanto, neurocientistas cognitivos e comportamentais adentram na esfera de ambos os campos e em todos os processos.

Harré (2002), esclarece que as ciências cognitivas estudam como a mente determina o comportamento por meio de processos mentais como percepção, raciocínio, emoção e volição. Na sua concepção, partindo do pressuposto de que o objetivo das ciências cognitivas é explicar o comportamento, elas podem ser consideradas como ciências comportamentais. No entanto, em determinados estudos, a neurociência cognitiva pode investigar a mente sem observar o comportamento real, como é o caso de investigações que se utilizam de neuroimagem sem se valerem de medidas comportamentais.

Na medida em que emergem mais e mais investigações na área de neurociência, há indicações de que muitos processos relacionados à cognição e ao comportamento podem apresentar fatores empiricamente distintos, mas intimamente relacionados. A teoria do proeminente neurocientista António Damásio (Bechara et al., 2003), defende que quando as pessoas tomam decisões avaliam o valor do incentivo das escolhas disponíveis utilizando processos cognitivos e emocionais. Há evidências de que em contextos em que um indivíduo se depara com escolhas complexas e conflitantes, os processos cognitivos podem ficar sobrecarregados e os processos emocionais podem guiar a tomada de decisão. Neste contexto estão presentes distintas estruturas cerebrais: a amígdala, envolvida com as emoções, e o córtex pré-frontal ventromedial, que desempenha um importante papel na regulação e inibição de respostas emocionais. No entanto, o córtex pré-frontal ventromedial é uma subseção do córtex pré-frontal, envolvido no planejamento de comportamentos e pensamentos complexos, expressão da personalidade, tomadas de decisões e modulação de comportamento social, funções mais intimamente relacionadas à cognição humana.

Neurocientistas como Damásio, sugerem que a divisão entre processos biológicos de fenômenos comportamentais e processos cognitivos complexos parece não se sustentar na prática. António Damásio argumenta que não é possível separar os processos cognitivos dos emocionais, ou seja, que o corpo e a mente não são entidades separadas e independentes e, portanto, seria um erro julgar que o ser humano poderia ter uma cognição pura. Sua obra “O Erro de Descartes” aborda consistentemente esse paradigma.

 

Conclusão:

Dessa forma, conclui-se que não parece existir uma divisão clara entre neurociência comportamental e neurociência cognitiva em muitos dos fenômenos estudados e por meio de prerrogativas de muito investigadores da área. Ao se fazer uma pesquisa mais aprofundada dos estudos de neurociência que envolvem o comportamento e a cognição humana, percebe-se que, em grande parte, há a sobreposição dessas duas dimensões em função de aspectos funcionais do cérebro. Ainda que as emoções sejam consideradas como processos autônomos, involuntários, ao mesmo tempo são frutos de todas as experiências e contextos, inclusive culturais, do indivíduo. A própria aprendizagem emocional depende de processos mentais mais elaborados cerne, inclusive, das competências de inteligência emocional, um dos temas abordados em nosso blog sob o título: “Desmistificando a Inteligência Emocional”.  Acmpanhe!

 

Referências:

Bechara, A., Damasio, H., & Damasio, A. R. (2003). Role of the amygdala in decision-making. Annals of the New York Academy of Sciences, 985, 356–369. https://doi.org/10.1111/j.1749-6632.2003.tb07094.x

Harré, R. (2002). Cognitive Science: A Philosophical Introduction. Sage Publications Ltd.

Thompson, R. F. (2001). Behavioral Neuroscience. International Encyclopedia of the Social & Behavioral Sciences, 1118, 1125. https://doi.org/10.4324/9781003171799-4

Ventura, D. F. (2010). A report on the area of neuroscience and behavior in Brazil. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 26(SUPPL. 1), 123–129. https://doi.org/10.1590/S0102-37722010000500011

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